Raquel Montero - Advogada em Ribeirão Preto

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O QUE ESTÁ POR TRÁS DO PROJETO DE EXTINÇÃO DO DAERP?

04/05/2021

 

Artigo também publicado pelo Jornal Tribuna em sua edição do dia 11.05.2021. No Jornal Tribuna o artigo também pode ser acessado na internet através do link:

https://www.tribunaribeirao.com.br/site/o-que-esta-por-tras-do-projeto-de-extincao-do-daerp/

 

 

Foto: Reprodução

 

 

Recentemente esteve na pauta da sessão da Câmara Legislativa de Ribeirão Preto o Projeto de Lei Complementar nº 19 de 2021, de autoria do Prefeito Duarte Nogueira do PSDB. Tal projeto tem como objetivo a extinção do Departamento de Água e Esgoto de Ribeirão Preto (DAERP), autarquia municipal de Ribeirão, existente desde 1969. E qual é o objetivo de Nogueira com a extinção do DAERP?

 

A forma mais prática e oficial de se obter resposta à essa pergunta é analisando a justificativa do projeto de lei. O conteúdo do projeto de lei está disponível para qualquer pessoa interessada acessá-lo no site da Câmara Legislativa de Ribeirão, no ícone "Sessões" - "Pauta da Sessão".

 

Analisando-se, então, a justificativa do aludido projeto de lei complementar, verifica-se que ela foi dada em menos de 01 (uma) folha, e a única suposta justificativa de Nogueira para extinguir o DAERP foi o corte de cargos comissionados e funções de confiança.  

 

Em menos de 01 folha Nogueira apresentou suposta justificativa para a extinção de uma autarquia municipal de mais de 50 (cinquenta) anos criada para tratar com especialidade do serviço essencial referente a água e ao tratamento e destinação do esgoto de uma cidade com mais de 700 mil habitantes, um patrimônio público, portanto.

 

Em um dos exatos 05 (cinco) parágrafos que integram essa única folha utilizada como justificativa para extinguir o DAERP, sendo que o 5º e último parágrafo se refere aos costumeiros "protestos de estima e consideração" para encerrar o documento, Nogueira menciona, também, que a extinção do DAERP trará "mais eficiência" na prestação do serviço, sem, contudo, explicar na justificativa como se daria essa eficiência.

 

Se com "mais eficiência" Nogueira quis se referir à redução de agentes públicas/públicos, isso é contraditório diante da própria realidade do DAERP, eis que, por várias vezes foi necessário justamente o contrário, ou seja, contratar mais pessoas para a prestação do serviço, e para confirmar isso é só fazer uma pesquisa no Google e verificar as notícias divulgadas pela imprensa local sobre o DAERP ter contratado pessoas de maneira terceirizada, através de empresas particulares, para cobrir a demanda de trabalho na autarquia.

 

E é justamente nisso que pode estar o "pulo do gato" de Nogueira, o disfarce, o engodo na ideia de extinguir o DAERP. Nogueira extinguiria o DAERP agora, demitindo essas pessoas para, depois, no âmbito da secretaria municipal que ele alega no projeto de lei que vai ser criada no lugar do DAERP, contratar novas pessoas, mas, agora,  terceirizando toda e qualquer contratação para empresas privadas, em outras palavras, privatizando a prestação do serviço.

 

Nessa situação, quem vai escolher as pessoas para prestar o serviço público seriam empresas privadas, empresários/empresárias, através da terceirização da contratação das pessoas. E quando isso acontece, muita corrupção pode vir junto. Quem não se lembra do caso da empresa Atmosphera, de Marcelo Plaustino, que se suicidou após as denúncias de corrupção feitas pelo Ministério Público no âmbito da Operação Sevandija envolvendo essa empresa e os contratos de terceirização que a empresa tinha com a Prefeitura de Ribeirão para contratar pessoas para trabalharem em vários órgãos públicos de Ribeirão? 

 

As denúncias feitas pelo Ministério Público acusaram que em troca da aprovação de projetos de leis de iniciativa da ex-prefeita Dárcy Vera, vereadores da época, que integravam a base de apoio de Dárcy na Câmara, votavam a favor desses projetos para,  em troca, terem pessoas indicadas por eles para serem contratadas como terceirizadas pela empresa Atmosphera para trabalharem em órgãos públicos, e além disso, esses vereadores também teriam recebido propina mensalmente do então dono da Atmosphera, como uma forma de conluio para que o esquema de terceirização se mantivesse nos órgãos públicos.

 

Ora, se o problema fosse mesmo o suposto excesso de pessoas do quadro do funcionalismo do DAERP, essa questão se resolve fazendo redução ou readequação de funcionárias/funcionários, e não extinguindo o DAERP. Mas, como já ponderado, isso não é a real justificativa do projeto, eis que, como lembrado, por vezes o DAERP teve que contratar mais pessoas para a demanda de serviços, e não demitir. Ou ainda, se mexeria nesse ponto para fazer com que toda pessoa que fosse trabalhar no DAERP só fosse mediante concurso público, e ai se combateria tanto os cargos comissionados quanto os terceirizados. E com concurso público temos a admissão de pessoas por mérito e qualificação técnica, e não por indicações ou barganhas políticas.

 

A pseudo justificativa de "mais eficiência" com a extinção do DAERP em razão dos serviços passarem a serem executados por uma secretaria municipal também não faz sentido, já que um das vantagens de uma autarquia é justamente a descentralização do serviço para que ele seja prestado com especialidade pela autarquia e dentro de uma estrutura criada especificamente para o serviço a ser prestado.

 

E além do projeto de Nogueira ser vazio de justificativa, também padece de ilegalidade diante da Lei Orgânica de Ribeirão e do quorum de aprovação da urgência para a votação do projeto de lei. As ilegalidades foram levadas ao Judiciário pela vereadora Duda Hidalgo do PT, e em decisão liminar as ilegalidades foram reconhecidas pelo Judiciário que, por conseguinte, barrou o andamento do projeto de lei. O Ministério Público, através do promotor de justiça que o representa neste caso, que, por sua vez, também já foi vice-prefeito e secretário municipal de Nogueira, se manifestou concordando que o projeto de lei é ilegal. Nogueira recorreu dessa decisão de primeira instância à segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, e a segunda instância judiciária também reconheceu que o projeto de lei é ilegal e manteve a decisão liminar de barrar o andamento do projeto, impedindo, assim, a extinção do DAERP, como queria Nogueira.    

 

Não tem justificativa, não tem legalidade... ...parece aquela casa, que não tinha porta, não tinha teto, não tinha nada.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

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