Raquel Montero - Advogada em Ribeirão Preto

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Bolsonaro contraria a tendência mundial da estatização de serviços

13/10/2020

 

Foto: Reprodução

 

 

O Governador do Estado de São Paulo, João Dória, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), desde que foi eleito em 2018, declarou que quer privatizar tudo que puder no Estado de São Paulo[1]. Um tempo depois declarou ter mais de 220 projetos de desestatização, dentre eles, a principal estatal paulista, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP)[2]. Além da SABESP, fazem parte do pacote privatizante de Dória, projetos ferroviários no Vale do Paraíba e na região de Campinas, e, também, a venda de 20 aeroportos regionais.

 

Em âmbito nacional, Paulo Guedes, o Ministro da Economia do governo do Presidente da República Jair Messias Bolsonaro (sem partido), anunciou, no início de 2019, primeiro ano do governo para o qual foi nomeado ministro, a intenção de vender as principais empresas estatais federais para ter um retorno de cerca de R$ 75 bilhões de reais[3].

 

Quando, na década de 90, o Banco Mundial incentivou a privatização de serviços básicos, entre os quais os de fornecimento de água, os resultados foram desastrosos. Peguemos como exemplo a Bolívia. Após a privatização houve um grande aumento de preços, que levou à uma grande queda no consumo de água tratada. A maioria da população retornou a formas primitivas de coleta de água, como armazenamento de água da chuva em baldes ou lençóis estendidos em varais e perfuração de poços amadores. As empresas reagiram a essas práticas,  pois o consumo de seu produto, e, por conseguinte, o lucro, foram afetados. As empresas reagiram por meio da aprovação de leis proibindo tais práticas de coleta de água, inclusive,  com o uso de força policial. Essa situação levou a uma forte revolta da população e ao caos no país, no qual mães eram ameaçadas por coletar água da chuva para saciar a sede de seus filhos[4].

 

Apesar das experiências com resultados negativos que temos na história, o Presidente Jair Bolsonaro quer privatizar também a água no Brasil. O Projeto de Lei nº 4.162 de 2019, de autoria do Poder Executivo Federal, que facilita a privatização de empresas estatais de saneamento básico, foi aprovado pela Câmara e pelo Senado e sancionado pelo Presidente Jair Bolsonaro.

 

Ambos, Governador João Dória e o Ministro Paulo Guedes, utilizam como fundamentos das privatizações que querem fazer o lucro que a venda das empresas estatais traria e o melhor funcionamento dos serviços sob gestão do setor privado. Tais argumentos também são utilizados, de modo geral, pelas pessoas que defendem a privatização como caminho para esses objetivos, transformando, assim, a privatização como solução para trazer mais faturamento para o País e mais qualidade ao serviço prestado.

 

As questões que se coloca, nesse contexto, são as seguintes: a privatização leva mesmo a esses resultados? Qual serviço público privatizado melhorou ao ser privatizado? O modelo estatal não está, mesmo, de forma generalizada, levando à esses resultados satisfatórios? Se há problemas na empresa estatal, assim como existem aos montes nas empresas privadas, o certo a ser feito é resolver o problema ou descartar a empresa junto com o problema? Quando se lava o bebê, descarta-se o bebê junto com a água suja ou só descarta a água suja?

 

Um outro fundamento utilizado para a privatização de empresas estatais seria a corrupção ocorrida em algumas delas. Mas, corrupção também existe, aos montes, em empresas privadas, e temos notícias disso. Então, o certo não seria eliminar os maus gestores ao invés de eliminar o patrimônio público que eles administraram mal? Eliminar o patrimônio público em razão da má administração dos gestores equivaleria a "culpar" o patrimônio pela má administração feita pela pessoa que o administrou, quando, ao revés, se deveria culpar a pessoa que o administrou. 

 

Estas indagações são a inspiração para este texto.

 

Inicialmente, empresa estatal não tem que dar lucro, ela tem que cumprir sua função constitucional, cumprir bem e sem causar prejuízo. Mesmo assim, sem ter que dar lucro, estatais brasileiras vêm dando lucro, e de forma progressiva.

 

Como explicado, o Ministro Paulo Guedes quer vender algumas das principais estatais federais brasileiras pelo valor de R$ 75 bilhões. Tal valor corresponde ao faturamento que elas tiveram em apenas um ano. No ano de 2018, os resultados líquidos dos cinco principais conglomerados estatais federais que temos no Brasil, que congregam boa parte das 154[5] sociedades empresárias estatais federais - Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) - tiveram um faturamento de cerca de R$ 71,5 bilhões[6], e o Ministro Paulo Guedes quer vender algumas dessas estatais por cerca de R$ 75 bilhões. Então, o Ministro Paulo Guedes quer vender as principais estatais federais, com o fundamento principal de ter lucro com a venda de empresas estatais, por um valor correspondente ao que elas deram de lucro em apenas um ano. Não parece uma medida sensata.

 

Em 2017, o conjunto de estatais federais teve um resultado líquido de R$ 25,2 bilhões[7]. E,  como mencionado acima, isso melhorou em 2018. Em 2019, o resultado líquido das estatais federais foi de R$ 109,1 bilhões, representando um aumento de 53% com relação ao lucro das estatais federais em 2018 e o maior valor de faturamento desde 2.008[8].

 

Com esses resultados por que querer vender um patrimônio que está dando lucro, sobretudo quando ele não tem a obrigação de dar lucro, eis que não é seu dever? E com os mesmos resultados, como usar de fundamento "ter lucro" com a venda das empresas estatais se lucro elas já estão dando? É lucro vender um patrimônio pelo valor correspondente ao que ele proporcionou de faturamento líquido em um ano?

 

 O outro fundamento utilizado para a defesa da privatização, como fez o Governador João Dória no Estado de São Paulo e o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, é o de que o serviço é melhor prestado estando sob a gestão privada do que sob gestão pública.

 

Nesse sentido, peguemos como exemplo, a titulo de comparação, a SABESP, que faz parte do projeto privatizante do Governador João Dória.

 

 A SABESP existe desde 1973. É uma sociedade de economia mista do Estado de São Paulo, uma empresa estatal estadual, portanto. A SABESP atua no Estado de São Paulo fornecendo água e fazendo a coleta e o tratamento de esgoto, atendendo, atualmente, 367 dos 645 municípios paulista. Trata-se da maior empresa de saneamento da América e a quarta maior do mundo em termos de população atendida (27,9 milhões de pessoas atendidas).

 

A SABESP  é responsável por 27% do investimento em saneamento básico feito no Brasil[9]. Em razão da segurança e da rentabilidade a longo prazo, há, na SABESP, investidores do mundo todo, desde fundos soberanos de Cingapura e Emirados Árabes, até fundos de pensão brasileiro. A SABESP não recebe um centavo do governo, mantendo-se através das tarifas dos serviços que presta[10].

 

Assim, é possível verificar que a SABESP está tendo um bom desempenho, e não um mal desempenho, o que contesta os fundamentos utilizados para privatizá-la. No entanto, o Governador João Dória quer privatizá-la mesmo assim. 

 

 Em um outro exemplo temos as telecomunicações, também comumente utilizadas como resposta à pergunta; "Qual serviço público se tornou melhor ao ser privatizado?". Porém, em pesquisa que realizei entre os anos de 2004 à 2019, 16 (dezesseis) anos no total, a empresa privada de telefonia OI (fixo/celular) constou como empresa que recebeu mais reclamações no Brasil no cadastro geral do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (SINDEC), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por vários anos, inclusive, alguns anos consecutivos, totalizando 12 listas anuais de um total de 16 listas anuais ocupando o primeiro lugar como empresa mais reclamada do Brasil, e, com exceção do ano de 2011, todas as demais listas anuais de empresas mais reclamadas do Brasil tiveram como empresa mais reclamada, empresas de telecomunicações.

 

O SINDEC consiste em um sistema informatizado da Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que foi criado para sistematizar e integrar a ação dos Procons do Brasil com o objetivo de criar um arcabouço de informações e dados para subsidiar a elaboração e implementação de políticas públicas na defesa das consumidoras e dos consumidores através dos registros dos atendimentos individuais prestados a consumidoras e consumidores que recorrem aos Procons de todo o Brasil[11].

 

A conexão e a articulação entre os Procons dos municípios geram informações que são concentradas nos bancos de dados dos Procons estaduais e repassados para a base nacional de dados do SINDEC, no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

 

Com base nesse banco de dados do SINDEC, a pesquisa constatou, também, que nos 10 (dez) primeiros lugares das listagens das empresas mais reclamadas do Brasil entre os anos de 2004 à 2019, quatro a cinco colocações nas 16 listas anuais são ocupados por empresas privadas de telecomunicações.

 

A telefonia fixa e a telefonia celular, competindo com serviços essenciais, constou como o assunto mais reclamado na maioria das 16 listas anuais, alternando, a telefonia fixa e a telefonia celular, ora uma, ora outra, entre o primeiro, o segundo e o terceiro assunto mais reclamado nas 16 listas anuais, e, ora uma, ora outra, figuraram em primeiro lugar na classificação de assuntos mais reclamados por 09 listas anuais de um total de 16 anos de listas anuais.

 

A área de telecomunicações, abrangendo todas as modalidades - telefonia fixa, telefonia, celular, tv por assinatura e internet (produtos e serviços) - e competindo com áreas de serviços essenciais, alternou entre o primeiro, o segundo e o terceiro lugar de área mais reclamada nos 16 anos de listas anuais, ficando por 04 (quatro) anos no primeiro lugar das áreas mais reclamadas, por 04 (quatro) anos no segundo lugar das áreas mais reclamadas e por 08 (oito) anos no terceiro lugar das áreas mais reclamadas.

 

Esses resultados dos serviços de telecomunicações, pós-privatização dos serviços ocorrida em 1998 sob o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso do PSDB, representam boa qualidade nos serviços prestados ou melhoria na qualidade dos serviços prestados? Com base nesses resultados é possível responder "sim" à essas perguntas?

 

Com base nestas análises se constata que a privatização das telecomunicações, que substituiu o modelo estatal de prestação desse serviço, não garantiu a qualidade dos serviços e produtos ofertados ao mercado consumidor nas relações de consumo, do contrário, não teríamos esses resultados, e assim, a promessa e os fundamentos sob os quais ela ocorreu, por estes resultados, não se sustentaram. Os mesmos resultados se caracterizam como contestações  à qualidade na prestação de serviços e produtos feitas através de modelos privatizados, bem como, contestações à eficácia do modelo que prevê, em substituição à prestação do serviço pelo Estado, apenas a regulação do serviço pelo Estado, através da respectiva agência reguladora.

 

Apenas a regulação estatal dos serviços demonstra não estar sendo eficaz para garantir e elevar a qualidade do serviço de telecomunicações prestado por empresas privadas, e, também, demonstra que a fiscalização não está sendo eficiente, do contrário, não teríamos essa situação de maneira consecutiva, reincidente e por parte de várias empresas.

 

Esses resultados também são uma contestação à resposta "Telecomunicações" que costuma ser dada por agentes políticos e especialistas à pergunta: "Qual serviço público se tornou melhor ao ser privatizado?"  Considerando as reclamações apresentadas nos Procons concernentes às Telecomunicações é colocado em "xeque" a qualidade prestada pelas empresas de telecomunicações após a privatização do serviço, e com relação à qualidade é possível afirmar que a privatização não garantiu qualidade na prestação de serviços e produtos no mercado das telecomunicações.

 

O discurso da privatização ainda vai contra a tendência mundial da estatização e da reestatização, que está ocorrendo em países de grandes economias, como Estados Unidos e Alemanha.

 

Desde 2000, ao menos 884 serviços foram reestatizados no mundo. A conta é do Transnational Institute (TNI), centro de estudos em democracia e sustentabilidade sediado na Holanda[12]. O levantamento do TNI encontrou processos do gênero em 55 países de todo o mundo. Segundo o TNI isso ocorreu porque estes países constataram que as empresas privadas priorizavam o lucro e os serviços ficavam caros e ruins.

 

O TNI levantou dados entre 2000 e 2017. Foram registrados casos de estatização ou reestatização de serviços públicos essenciais que vão desde o fornecimento de água, energia elétrica, coleta de lixo, programas habitacionais e funerárias. Os cinco países que lideram a lista das reestatizações no mundo, entre 2000 e 2017, são: Alemanha, com 348 reestatizações, França, com 152 reestatizações, Estados Unidos, com 67 reestatizações, Reino Unido, com 65 reestatizações e Espanha, com 56 reestatizações.

 

A China é o país que possui a maior quantidade de empresas estatais, aproximadamente 150 mil, sendo 55 mil delas diretamente subordinadas ao Governo Federal e atuantes nos mais diferentes setores[13]. A China também é o pais com a mais dinâmica economia do mundo nas últimas décadas. As estatais chinesas atuam em todos os setores e também participam do mercado internacional. Em 2017, a participação das estatais chinesas no mercado internacional foi de 9.112 empresas estatais atuando em 185 países com um total de US$ 723,87 bilhões em ativos[14].

 

Os Estados Unidos tem cerca de 7 mil empresas estatais[15], dentre elas, estatais incluídas entre as maiores economias do mundo no ano de 2018, como Fannie Mae, com ativos de 3,3 trilhões de dólares, e, Freddie Mac, com ativos de 2 trilhões de dólares[16]. As estatais norte-americanas atuam em diferentes setores, dentre eles, o de energia, habitação, infraestrutura, hipotecas e seguro.

 

Em 2018, o valor dos ativos de uma das estatais norte-americanas do setor de hipotecas se equipara ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil (US$ 2,056 trilhões), já, o da outra, quase o supera em duas vezes[17].

 

 A Alemanha, até 2014, já contabilizava um total de 15.707 empresas estatais atuando nos mais diferentes setores, dentre eles, saúde, energia e saneamento[18].

 

 E além desses países de grande economia terem, defenderem e valorizarem suas estatais, eles ainda têm estatais multinacionais que atuam em outros países, gerando mais riqueza para os proprietários das multinacionais. As multinacionais estatais são vistas por esses países, que as têm, como mais uma estratégia econômica.

 

Em relatório de 2017, a United Nations Conference on Trade and Development (UNCTAD), identificou cerca de 1.500 empresas estatais multinacionais, com mais de 86 mil filiais no mundo, tendo a Europa um terço desse total[19]. De acordo com o aludido relatório, a China tem 257 estatais multinacionais; a Índia tem 61 estatais multinacionais; a África do Sul, 55; a Rússia, 51; Emirados Árabes, 50; Suécia, 49; França, 45; Itália, 44; Alemanha, 43; Coréia do Sul, 33; Noruega, 32; Singapura, 29; Qatar, 27; Portugal, 26; Suíça, 20; Canadá, 18; e o Brasil, apenas 12 estatais multinacionais brasileiras.

 

Estão entre as maiores estatais multinacionais não financeiras do mundo, de acordo com o critério utilizado pela UNCTAD para identificar empresas estatais, as seguintes empresas: Volkswagen, da Alemanha, atuante no setor automobilístico, com ativos de 431 bilhões de dólares e participação estatal de 20%;  EDF, da França, atuante no setor de infraestrutura, com ativos de 296 bilhões de dólares e participação estatal de 84%; CNOOCC, da China, atuante no setor da indústria do petróleo, com ativos de 179 bilhões de dólares e participação estatal de 100%; Airbus, da França, atuante no setor da indústria aérea, com ativos de 117 bilhões de dólares e participação estatal de 11%; Renault, da França, atuante no setor da indústria automobilística, com ativos de 107 bilhões de dólares e participação estatal de 15%; StatOil, da Noruega, atuante no setor da indústria do petróleo, com ativos de 104 bilhões de dólares e participação estatal de 67%; Peugeot Citroen, da França, atuante no setor da indústria automobilística, com ativos de 47 bilhões de dólares e participação estatal de 13%; Japan Tobacco, do Japão, atuante no setor da indústria de tabaco, com ativos de 40 bilhões de dólares e participação estatal de 33%.

 

Como se pode constatar, os setores de atuação e os objetivos das estatais multinacionais são diversificados, abrangem infraestrutura, tecnologia, desenvolvimento nacional, segurança nacional, estratégias geradoras de emprego, renda, organização da classe trabalhadora através de forte participação sindical. 

 

Dentre as dez maiores empresas do mundo, considerando-se o valor total do ativo detido, 60% delas são empresas estatais pertencentes a China, Estados Unidos e Japão, segundo a Revista Forbes, em 2018[20], sendo elas, as seguintes;

 

1. ICBC (China) - banco comercial e industrial, com ativos de US$ 4,2 trilhões;

2. China Construction Bank (China) - banco comercial, com ativos de US$ 3,6 trilhões;

3. China Agricultural Bank (China) - banco agrícola, com ativos de US$ 3,4 trilhões;

4. Fannie Mae (Estados Unidos) - mercado de hipotecas, com ativos de US$ 3,3 trilhões;

5. Bank of China (China) - banco comercial, com ativos de US$ 3,2 trilhões, e;

6. Japan Post Holdings (Japão) - conglomerado atuante em setores como de seguros, banco comercial, postal e transportes, com ativos de US$ 2,5 trilhões.

 

Ainda segundo os dados da Revista Forbes para ativos detidos, em 2018, tais conglomerados estatais superaram empresas consideradas gigantes da indústria farmacêutica, da tecnologia da informação ou da indústria do entretenimento. A ver: Apple, com ativos de US$ 367,5 bilhões, Microsoft, com ativos de US$ 245,5 bilhões, Amazon, com ativos de US$ 126,4 bilhões, Walt Disney, com ativos de US$ 97,9 bilhões, Bayer, com ativos de US$ 92,7 bilhões e Facebook, com ativos de US$ 88,9 bilhões[21].

 

Assim, percebe-se que países de grande economia se utilizam fartamente de empresas estatais para atingir seus objetivos nacionais, defendendo, investindo e valorizando suas empresas estatais, e essa utilização se dá tanto para atuarem internamente, no âmbito do Estado, quanto para atuar em outros países, através de estatais multinacionais, e a partir do interesse dos países criadores.

 

Se há, ainda, tantas lacunas, dúvidas, mitos e contradições acerca do assunto que envolve privatização e estatização, parece ser arriscado, imprudente e prematuro, governantes desfazerem de um patrimônio público, um patrimônio do povo. Antes, porém, parece ser sensato e necessário que se esclareça o assunto, estudando-o por todos os aspectos, de forma a exaurir a análise, senão de maneira definitiva, o que não é possível diante da permanência das mudanças e transformações da vida, então, de maneira contemporânea, considerando todas as circunstâncias da atualidade.

 

Governos e governantes passam, mudam, são sucedidos. O Estado, por outro lado, continua, e para que continue bem é necessário que tenha condições objetivas. As empresas estatais têm a finalidade de contribuir para o desenvolvimento social e econômico do Estado, e assim, estariam dentro dessas condições objetivas que contribuem para o bom desenvolvimento do Estado.

 

Se quem faz a empresa estatal agir são as pessoas que a administram, por que se desfazer da empresa estatal ao invés de mudar, capacitar ou responsabilizar as pessoas?

 

Se trata de um patrimônio do povo brasileiro, e que, por várias vezes, demonstrou funcionar bem, como demonstrado nos exemplos citados neste texto, e dar lucro ao Brasil, mesmo não sendo seu dever fazer isso. E esse lucro pode ser a matéria-prima para investimentos em políticas públicas para o desenvolvimento da nação e o cumprimento de direitos sociais constitucionais. E tal possibilidade vai ao encontro, justamente, dos objetivos e fundamentos da República Federativa do Brasil, previstos nos artigos 1º e 3º da Constituição Federal. Além de um patrimônio, portanto, demonstra ser um instrumento estratégico no cumprimento de deveres constitucionais.

 

Raquel Montero, Advogada, Especialista em Administração Pública pela USP

 

 

[1] ASSIS, Francisco Carlos de; WETERMAN, Daniel. "Vamos desestatizar tudo que for possível", diz Dória em posse. Terra. 01/01/2019. Disponível em: [https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/vamos-desestatizar-tudo-que-for-possivel-diz-doria-em-posse,e0543df29dfc84e11722bc8b427441b26580dbm9.html]. Acesso em 14/04/2019.

[2] SOUZA, Marcos de Moura. Dória diz que já tem 220 projetos de privatização. Valor. Minas Gerais, 12/02/2019. Disponível em [https://valor.globo.com/politica/noticia/2019/02/12/doria-diz-que-ja-tem-220-projetos-de-privatizacao.ghtml].Acesso em: 14/04/2019.

[3] MÁXIMO, Welton. Em Davos, Guedes se compromete a zerar déficit orçamentário este ano. Agência Brasil. Brasília, 23/01/2019. Disponível em: [https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-01/em-davos-guedes-compromete-se-zerar-deficit-orcamentario-este-ano]. Acesso em: 14/04/2019.

[4] SHIVA, Vandana. A Guerra por Água: Privatização, poluição e lucro. São Paulo: Radical Livros, 2006.

[5] Brasil. Ministério da Economia. Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais. Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados. Boletim das Empresas Estatais Federais,  Número 13, Período: 4º Trimestre de 2.019. Brasília, 2019, pág. 05. Disponível em: [https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-das-empresas-estatais-federais/arquivos/13a-edicao-boletim-das-empresas-estatais-federais.pdf]. Acesso em: 23/07/2020.

[6] Ibidem.

[7] OTTA, Lu Aiko.Estatais "top 5" têm lucro de R$ 60,7 bi no 1º semestre. Valor. Brasília, 17/09/2019. Disponível em: [https://valor.globo.com/brasil/noticia/2019/09/17/estatais-top-5-tem-lucro-de-r-607-bi-no-1o-semestre.ghtml].Acesso em: 09/07/2020.

[8] Brasil. Ministério da Economia. Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais. Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados. Boletim das Empresas Estatais Federais,  Número 13, Período: 4º Trimestre de 2.019. Brasília, 2019, pág. 05. Disponível em: [https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletim-das-empresas-estatais-federais/arquivos/13a-edicao-boletim-das-empresas-estatais-federais.pdf]. Acesso em: 23/07/2020.

[9] Sabesp. Perfil. Disponível em: [http://site.sabesp.com.br/site/interna/Default.aspx?secaoId=505]. Acesso em 28/05/2020.

[10] Ibidem.

 

[11] Brasil. Ministério da Justiça e Segurança Publica. O que é SINDEC. Brasília. Disponível em: [https://www.justica.gov.br/seus-direitos/consumidor/sindec]. Acessado em: 02/04/2020.

[12] ELIAS, Juliana. Privatizar é ideal? 884 serviços caros e ruins foram reestatizados no mundo. UOL. São Paulo, 07/03/2019. Disponível em: [https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/tni-884-reestatizacoes-mundo.htm?fbclid=IwAR10AFwubJ83MLgl97vLkmnXBjC6qrrfwYc2njzUF-YwSbXK6R5kjK_D2eM]. Acesso em: 09/07/2020.

[13] UNITED STATES OF AMERICA. EXPORT.GOV. China Country Commercial Guide. Disponível em: [www.export.gov/article?id=China-State-Owned-Enterprises].  Acesso em: 09/07/2020.

[14] NAN, Zhong; XIAOJIN, Ren. China to Tighten Control on SOE´s Investiment Overseas. Disponível em: [www.chinadaily.com.cn/business/2017-03/09/coontent_28496676.htm]. Acesso em: 12/12/2018.

[15] EUA tem 7 mil estatais, destaca representante eleita no Conselho de Administração da Caixa. SPBancáios. São Paulo, 04/09/2019. Disponível em: [https://spbancarios.com.br/09/2019/eua-tem-7-mil-estatais-destaca-representante-eleita-no-conselho-de-administracao-da-caixa#:~:text=EUA%20tem%207%20mil%20estatais,da%20Caixa%20%7C%20Sindicato%20dos%20Banc%C3%A1rios]. Acesso em: 23/07/2020.

[16] FORBES. The World´s Biggest Public Companies 2018. Disponível em: [www.forbes.com/global2000/list/#header:assetssortreverse:true].  Acesso em: 09/07/2020.

[17] WORLD BANK. GDP (current US$). Disponível em: [https://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.CD?locations=BR-CN-US]. Acesso em: 09/08/2020.

[18] UNITED STATES OF AMERICA. Germany Country Commercial Guide. Disponível em: [www.export.gov/article?id=Germany-State-Owned-Enterprises]. Acesso em: 12/12/2018.

[19] UNITED NATIONS CONFERENCE ON TRADE AND DEVELOPMENT. World Investment Report 2017: Investment and the digital economy. Genebra: United Nations Publication, 2017, p. xi. A UNCTAD considera estatal uma empresa quando há a participação do Estado em, no mínimo, 10% do capital da empresa.  

[20] FORBES. The World´s Biggest Public Companies 2018. Disponível em: [www.forbes.com/global2000/list/#header:assetssortreverse:true].  Acesso em: 09/07/2020.

[21] Ibidem.

 

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