Raquel Montero - Advogada em Ribeirão Preto

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Só o depoimento dos policiais?

08/02/2018

Foto: Reprodução
 
 
Um policial vale mais que um cidadão? Para algumas pessoas, notadamente, membros do Judiciário e Ministério Público, sim.
 
 
Eu já fiz essa pergunta em outro texto que escrevi.
 
 
De forma geral, tomando como base os processos criminais no Brasil, a resposta para essa pergunta continua a mesma, infelizmente.
 
 
Os depoimentos de policiais são prestigiados pela doutrina jurídica e jurisprudência brasileira. É comum em processos penais iniciados por flagrantes, que os policiais que realizaram a prisão do acusado sejam as principais testemunhas, quando não as únicas, do crime, bem como que sejam considerados como provas do crime, e muitas vezes, como única prova do crime.
 
 
Tal comportamento, está em desacordo com o que determina a lei brasileira que disciplina a situação. No caso, a lei que disciplina a situação é o Código de Processo Penal, e ele preconiza que a acusação de prática de crime contra alguém deve trazer junto a prova da acusação, e o testemunho do policial que realizou a diligência relativa ao suposto crime que ele alega que existiu, não é prova, é só a alegação do policial, e essa alegação deve ser provada.
 
 
O policial que faz a acusação de um crime contra alguém não pode, ao mesmo tempo, ser tido também como testemunha do crime que ele alega que foi praticado, isso seria como querer também que a vítima fosse também testemunha do crime que ela alega que foi praticado contra ela.
 
 
A divergência ou exceção ocorre quando verificamos juízes/juízas entenderem e decidirem de maneira contrária. Eis a exceção com que nos deparamos, e que me leva a escrever esse outro texto sobre o mesmo assunto.
 
 
Recentemente, em Serrana, um cliente recebeu uma sentença de absolvição da juíza Isabela de Souza Nunes Fiel, em razão da juíza verificar insuficiência de provas para a acusação, em razão, exatamente, da acusação do Ministério Público restringir-se aos depoimentos dos investigadores da Polícia Civil, que não conseguiram provar suficientemente pontos cruciais contestados pela defesa. E, dessa forma, a juíza absolveu o réu por insuficiência de provas, que, concomitantemente, leva a permanência da presunção de inocência do acusado.
 
 
 
Transcrevo aqui partes da sentença referentes a esse ponto;
 
 
 
Analisando atentamente o conjunto probatório acostado aos autos, observo a insuficiência das provas acostadas, tanto para a acusação quanto para a defesa. E, sendo assim,melhor para esta, dada a presunção de inocência da qual todos gozamos. Com efeito, a prova da acusação restringe-se aos depoimentos dos investigadores da Polícia Civil que cuidaram do caso. Entretanto, ainda que pesem em seu favor as prerrogativas próprias de funcionários públicos, há pontos cruciais contestados pela defesa que não foram suficientemente comprovados.
 
 
Ademais, os investigadores relataram que os objetos utilizados no assalto foram encontrados na casa dos acusados. No entanto, consta nos auto apenas um mandado de busca e apreensão, expedido para a casa de xxxxx (fls. 18/19). Assim, põe-se em dúvida a própria validade das provas colhidas.
 
 
 
 
A simples condição de policial não traz garantia de honestidade ou infalibilidade ao policial. Ou sobre algum ser humano recai a certeza de ser uma pessoa infalível e honesta? Se antes de ser policial, o policial é um ser humano, alguém pode, realmente, julgá-lo um ser humano infalível e sempre honesto? Alguém pode dizer isso de algum ser humano?
 
 
Apesar dos policiais serem funcionários públicos e praticarem atos em nome do Estado, dar fé à palavra do policial, condenando uma pessoa apenas com base em seu testemunho, é prestigiar um ser humano em detrimento do outro, é valorizar mais o policial e menos o cidadão.
 
 
Ao aceitar o depoimento do policial sem fazer qualquer questionamento, o Poder Judiciário demonstra que as pessoas que atuam na administração pública devem receber maior credibilidade do que os demais cidadãos, sem demonstrar, porém, os motivos que levam tais pessoas a serem merecedoras de maior confiabilidade. Afirma-se que pelo simples fato de atuarem em nome do Estado possuem idoneidade e caráter que as diferenciam das “pessoas comuns”.
 
 
Por tais razões as teses de defesa continuam abrangendo a parcialidade ou impedimento dos policiais, civis e militares, que participaram de alguma forma da prisão ou investigação contra o acusado.
 
 
E em tempos de "sentença por convicção" ao estilo Moro ou Rosa Weber, a sentença ainda rememora lições básicas da doutrina penal;
 
 
 
 Diante deste cenário, entendo que o grau de certeza necessário a um juízo condenatório não foi atingido, ônus que incumbia ao Ministério Público. E, em havendo dúvida quanto à prática do crime e participação dos denunciados, deve-se preferir a absolvição, até mesmo porque: “O Direito Penal não opera com conjecturas ou probabilidades. Sem certeza total e plena da autoria e da culpabilidade, não pode o Juiz criminal proferir condenação” (Ac. Un. Da5ª Cam. De 19.7.77, na Ap. n. 162.055, de Jaú, rel. GOULART SOBRINHO, ref. por Azevedo Franceschini, in: Jurisprudência Penal e Processual, vol. 8, p.313).
 
 
 
Há esperança.
 
 

Raquel Montero 

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