Raquel Montero - Advogada em Ribeirão Preto

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Guarda de filho e uma sentença que resolve o conflito

14/12/2018

 

Foto: Reprodução

 

 

       Diante de uma sentença improcedente, sempre há a insatisfação e com ela a vontade de recorrer? E essa pergunta é feita com relação à várias situações da vida, não só com relação à uma sentença proveniente do Judiciário.

 
 
É comum responder "sim" à essa pergunta, mas o caso que vou relatar é uma prova de que nem sempre isso pode ocorrer, notadamente quando a sentença é, de fato, fundamentada, e bem fundamentada, e esse texto é feito para falar disso.
 
 
Como advogada fui procurada por um homem, em torno de 40 anos, pai de um menino, na época, 2.015, com 8 anos, para pleitear a guarda de seu filho, que até então estava sob a guarda de sua mãe.
 
 
Para o pai havia vários motivos que faziam com que ele entendesse que, na época, era melhor o filho ficar com ele, sob sua guarda, e não mais sob a guarda da mãe. Um dos motivos fortes para o pai seria que a mãe estaria maltratando o filho através de brigas constantes com ele e falta de atenção e presença, o que teria levado, inclusive, o filho a repetir o ano na escola, além de o filho presenciar brigas constantes, inclusive com agressões físicas, da mãe com seu companheiro.
 
 
O pai e a mãe não estavam juntos, nunca se casaram, tiveram um namoro rápido do qual nasceu o filho.
 
 
Diante dos motivos do pai fizemos a ação judicial de guarda, para o pai pleitear a guarda do filho. Desde o princípio ficou claro para mim que a intenção do pai não era tirar a guarda da mãe, mas, sim, defender os direitos do filho, utilizando-se da ação para que as responsabilidades de pai e mãe fossem cumpridas e o filho ficasse protegido. E utilizou-se da ação porque em seu entendimento ele já havia esgotado as possibilidades do diálogo com a mãe.
 
 
No andamento do processo essa intenção do pai foi sendo reafirmada para mim com os comportamentos do pai. E a estratégia do pai deu certo. Esses motivos foram percebidos pelo juiz na demonstração que fiz deles na defesa do pai, conforme se pode verificar nessa manifestação do juiz na sentença;
 
 
Entende-se a postura do autor, em ter postulado a guarda do filho para si, pois, quando assim decidiu fazer, ajuizando a presente ação, o menino estava com mau desempenho como estudante, como foi comprovado com documentos anexados à inicial, inclusive tendo tido retenção no ano letivo, ainda quando estava em escola pública (fls. 29/42).Além disso, confirmou-se neste processo o que disse o autor, sobre o próprio filho ter postulado para vir morar com ele. Nesse sentido, constou do estudo psicológico que o próprio menino, hoje adolescente, dois anos antes daquele estudo, teria pedido para morar com o genitor, por estar com saudades dele (fls. 161).
 
 
 
A intenção foi tão confirmada para mim e a estratégia deu tão certo que diante de mudanças na situação dos envolvidos - mãe e filho - o pai foi se distanciando cada vez mais da pretensão de ter a guarda, deixando até mesmo de praticar atos no processo na medida em que ele ia percebendo e sentindo que a situação da mãe e do filho ia melhorando. Assim também entendeu o juiz da causa, que sobre isso escreveu na sentença;
 
 
Feito esse parêntese, cumpre considerar que a situação teria mudado, no curso do processo. Se a ré e seu companheiro se desentendiam, se chegavam a haver agressões físicas, isso, porém, teria cessado, ao que tudo indica, ainda que como algum efeito positivo desta ação, preocupando-se a ré e seu companheiro em terem conduta diversa.Tanto assim seria que o próprio adolescente, confirmando a fala da mãe para a psicóloga forense, deu referências positivas de seu "padrasto";relatou ele que teria momentos positivos com a família, "sinalizando ter bom relacionamento com a mãe, o padrasto e a irmã; e que mãe e padrasto vivem bem e não se desentendem (fls. 160). Também foi do próprio autor alguma percepção de que, com o ajuizamento desta ação, de alguma forma, seja por medo de perder a guarda do filho ou por outra razão, a genitora teria melhorado nos seus cuidados a ele dispensados. É o que se extrai da seguinte consideração que a psicóloga forense fez, com base em relato do genitor:"Depois de ter ajuizado esta ação, percebeu que o filho parou de queixar-se da mãe e associou este fato às mudanças de atitudes da mãe para como filho" (fls. 162)
 
 
No processo utilizamos ao máximo o contraditório e a ampla defesa para defender os direitos do filho e desmentir várias alegações que a mãe foi fazendo no processo contra o pai. Essas alegações consistiram em ofensas à honra do pai e fatos negativos atribuídos à paternidade do pai com relação ao filho. Sobre essas alegações se manifestou o juiz;
 
 
Com reservas, pois, que haveria de ser vista a contestação da ré, já que se confirmou fato importante que o autor narrava, como constitutivo de seu direito. Ademais, se a ré não litigou de má-fé, pode ter se aproximado disto, ao ter atribuído ao autor condutas de uso de entorpecente e de direção sob influência de álcool acompanhado do filho, quando, além de não ter feito prova alguma dessas duas alegações, não haveria sequer o menor indício da existência delas. Nem mesmo para a assistente social e para a psicóloga forense, nas vezes em que entrevistada, a ré fez alusão a esses fatos, o que causa, pois, estranheza,no mínimo, que os tenha deduzido na contestação, pois se tivessem ocorrido seria natural que tivesse ao menos se preocupado em mencioná-los para as auxiliares do Juízo, sem prejuízo da prova que,necessariamente, teria de produzir.
 
 
Os laudos da assistente social e da psicóloga que atuaram no caso também foram pormenorizadamente e amplamente analisado e questionado pela nossa defesa. Um dos pontos que questionamos e contestamos foi uma manifestação da psicóloga que teria dado margem ao entendimento de que a mãe tinha preferência na guarda simplesmente por ser mãe, e um dos pontos que questionamos no laudo da assistente social foi uma manifestação dúbia dela sobre alienação parental praticada por alguns dos genitores, sem dizer ao certo por parte de quem, pai ou mãe. Ora, essa é uma alegação grave, não pode ser dita de maneira vaga, imprecisa.
 
 
As contestações e os questionamentos que fiz foram acatados pelo juiz que determinou que a assistente social e a psicóloga se manifestassem novamente, e a novas manifestações foram, nas palavras do juiz, "efetivamente importantes para o deslinde da causa". Nesse sentido, escreveu o juiz na sentença;
 
 
 De toda maneira, essa impressão inicial, de existência de alienação parental, não se confirmou, depois que a psicóloga forense pode melhor explicitar sua convicção, após críticas que o autor fez, fundamentadamente, ao trabalho inicial dela. Isso desencadeou a determinação para que a psicóloga prestasse esclarecimentos suplementares, que foram efetivamente importantes para o deslinde desta causa.
 
 
E foram as contestações e questionamentos feitos que fizeram com que mentiras fossem desmascaradas e ambiguidades esclarecidas, nesse sentido escreveu o juiz na sentença;
 
 
Há alguns outros pontos que chamaram a atenção deste julgador, que constam do relatório psicológico. O principal deles está na conduta inadequada da genitora, em ter dito para o filho sobre a rejeição paterna enquanto ele ainda era gerado (fls. 160).
 
(...)
 
Tornando ao estudo psicológico, nos outros pontos que chamaram a atenção deste julgador, refiro-me ao fato da ré também ter, desnecessariamente, introjetado no filho conflitos dela e do réu, ao lhe reportar (ou dizer na frente dele) situações que ela via, na sua versão,como negativas em relação ao autor.
 
(...)
 
Além disso, verifica-se nesse relatório técnico falas do menor que seriam, nitidamente, reprodução das maternas, quando comentou que "é fácil ter o filho depois de grande porque já está criado".
 
 
 
Num processo bem aproveitado em todas as suas fases, com otimização da ampla defesa e do contraditório, produção de provas com real importância e manifestações respeitosas e pertinentes, e não simplesmente protelatórias, o juiz do caso, de uma das varas da família e das sucessões da comarca de Ribeirão Preto/SP, que não vou dizer quem é para não criar qualquer preferência, só dizendo que não é o juiz da 1º Vara da Família, Ricardo Braga Monte Serrat, o juiz do caso proferiu uma sentença com 20 (vinte) laudas. Da primeira à última lauda, a sentença é estimulante.
 
 
Em cada lauda se tem a certeza de que o juiz, realmente, leu o processo, com atenção, concentração e com vontade de chegar à justiça do caso. Os trechos da sentença aqui transcritos são exemplos dessa concepção que tive. De minha parte, na defesa do pai, também buscamos esse objetivo, e por isso, inclusive, nos atentamos a cada manifestação da assistente social e da psicóloga nos laudos que ambas emitiram, eis que essas profissionais trazem conhecimentos de outras áreas que podem contribuir de maneira determinante para a justiça do caso concreto.
 
 
O pai, meu cliente, por sua vez, contribuiu com o outro ingrediente essencial para o sucesso da receita de justiça em um processo. Ele não quis que sua pretensão prevalecesse, mas, sim, que prevalecesse o que fosse melhor. Ele utilizou do processo com esse objetivo, de que com os instrumentos de ampla defesa, contraditório, serviço psicossocial e uma terceira pessoa imparcial às partes, se chegasse ao que fosse melhor para a situação.
 
 
Meu cliente ganhou a ação? Ele ganhou mais do que isso, conforme expressou a mim. O processo foi julgado improcedente, e a guarda não foi concedida ao meu cliente, mas como já foi escrito acima, ele já não via mais sentido nisso, uma vez que após o ajuizamento da ação a situação entre mãe, filho e pai, mudou para melhor, e os motivos que ensejaram a ação já não existiam mais.
 
 
Ele ganhou no sentimento de que seu caso foi de fato recebido com respeito pelo Judiciário, tendo sido lido com atenção pelo julgador, e julgado com a seriedade advinda da preocupação de fazer justiça.
 
 
Com uma sentença assim, todas as pessoas ganham, e ganham pelos mesmos motivos que fizeram com que meu cliente também tenha se sentido um ganhador. A sentença, no entanto, é o último ato do processo, o que faz com que para que ela seja positiva e construtiva em sua plenitude, todos os demais trabalhos anteriores, das advogadas, dos advogados e das partes, também tenham que ter o mesmo comprometimento. Assim também tentei agir como advogada do pai, e acredito que consegui cumprir meu dever ao ler este outro trecho da sentença; "Também cabe destacar que, apesar de todos os esforços da combativa advogada do autor...".
 
 
A ação de meu cliente foi julgada improcedente. Nenhuma das partes quis recorrer da sentença, embora pudessem. O caso foi concluído em primeira instância e o processo foi arquivado. Aqui omite nomes das partes porque o processo é sigiloso, e também porque não era necessário.
 
Raquel Montero

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